Tríplice proteção do salário

salario-minimo_thumbnailA doutrina justrabalhista analisa a proteção do salário ao menos sob tríplice suporte. Disserte sobre o tema, fundamentando.

O salário recebe proteção especial pelo ordenamento jurídico em razão do caráter alimentar que possui. O caráter alimentar do salário deriva do papel socioeconômico que a parcela cumpre, sob a ótica do trabalhador. O salário atende, regra geral, a um universo de necessidades pessoais e essenciais do indivíduo e de sua família.

Diante do caráter alimentar do salário, sua proteção é norteada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, erigido a fundamento da República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, III).

Além disso, a Carta Magna traz expressamente em seu corpo (Art. 7º, X) que a proteção do salário é direito dos trabalhadores, na forma da lei.

A Convenção n.º 95 da OIT, ratificada pelo Brasil, trata também da proteção do salário, e a legislação ordinária brasileira trás inúmeros dispositivos que garantem proteção à parcela, nas variadas esferas das relações jurídico-sociais.

Dentro deste panorama, a doutrina justrabalhista analisa a proteção do salário basicamente sob três prismas: (1) proteção em face do empregador; (2) proteção em face de credores do empregador; e (3) proteção em face de credores do empregado.

No que tange à proteção em face do empregador, ganha destaque o caráter forfetário do salário, que o qualifica como obrigação absoluta do empregador, independentemente da sorte do seu empreendimento (decorrente da alteridade).

Com base nestes fundamentos, vigora na ordem jurídica pátria o princípio da irredutibilidade salarial, ou seja, a impossibilidade de redução do valor nominal do salário, salvo através de negociação coletiva (artigo 7º, inciso VI, da CF/88). Este princípio é corolário do princípio da inalterabilidade contratual lesiva ao empregado (artigo 468 da CLT).

A irredutibilidade salarial, entretanto, não é absoluta, sofrendo algumas restrições. Este mecanismo de proteção jurídica não alcança o valor real do salário, restringindo-se ao critério formal de aferição do valor salarial (seu valor nominal).

Além disso, a irredutibilidade não atinge as verbas salariais condicionadas (salário condição), as quais são suprimidas quando cessadas as circunstâncias que ensejaram seu pagamento.

E por fim, dentre as restrições ao princípio da irredutibilidade, há a possibilidade de redução salarial negociada, por convenção ou acordo coletivos de trabalho (Inteligência dos artigos 7º, inciso VI, e 8º, inciso VI, da CF/88).

Importante destacar, que de acordo com o comando constitucional, nem mesmo a lei ou determinação judicial (incluindo-se aqui a sentença normativa) podem reduzir o valor nominal do salário, pois se trata de reserva de negociação coletiva.

Vale dizer, que as reduções salariais diretas (diminuição nominal de salários) e indiretas (redução da jornada ou do serviço, tendo como conseqüência redução salarial) podem ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho (artigo 483, alíneas “d” e “g”, da CLT).

Ainda, decorrente do princípio da irredutibilidade, destaca-se o princípio da indisponibilidade salarial, que traduz a circunstancia de a verba salarial não poder ser objeto de renúncia ou de transação lesiva no desenrolar da relação empregatícia.

Permanecendo dentro do tema “proteção do salário em face do empregador”, a legislação determina a observância de critérios para o pagamento do salário, quanto ao tempo, lugar e meio.

No que diz respeito ao tempo, a CLT determina o limite máximo de um mês para o pagamento do salário, como também o critério temporal máximo para seu cálculo (hora, dia ou mês).

O Artigo 459, caput, da CLT dispõe que “O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a um mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações”.

Além disso, o Artigo 459, parágrafo único, da CLT determina que quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido.

E o Artigo 465 da CLT impõe que o pagamento dos salários será efetuado em dia útil, dentro do horário do serviço ou imediatamente após o encerramento deste, salvo quando efetuado por depósito em conta bancária.

Quanto ao lugar, o mesmo dispositivo supra citado determina que o pagamento deve se realizar no local do trabalho ou efetuado através de depósito em conta corrente.

Esta regra não é absoluta, havendo modalidades de quitação válidas que acarretem o pagamento para fora do local de trabalho.

No que diz respeito ao meio de pagamento, o Artigo 463, da CLT, prevê que a prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente do País, sob pena de ser considerado como não feito.

Como regra geral, somente é válido o pagamento do salário em moeda nacional, sendo nulo o pagamento em metal ou moeda estrangeira.

Excepcionando a regra do art. 463, a CLT prevê a possibilidade do pagamento em utilidades (salário-utilidade ou salário in natura), desde que respeitado o limite mínimo de 30% do salário mínimo em espécie.

O ordenamento justrabalhista prevê ainda a vedação do truck system, onde ocorre vinculação automática do salário a armazéns ou sistemas de fornecimento de mercadorias (artigo 462, §§§ 2º a 4º, da CLT).

Igualmente dentro do prisma da proteção do salário em face do empregador, destaca-se o princípio da integralidade salarial (corolário do princípio da intangibilidade salarial) que proíbe que o empregador efetue desconto no salário do obreiro.

Artigo 462, caput, da CLT impõe a vedação ao empregador de efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

E o § 1º, do mesmo artigo, dispõe que em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Além do dolo, somente a culpa grave, e previamente acordada, justifica o referido desconto salarial por dano causado pelo empregado.

O TST, entretanto, sedimentou o entendimento de que os descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico (Súmula nº 342, TST),

No que diz respeito à Proteção do salário em face de Credores do Empregador, a ordem jurídica estabelece um conjunto de garantias e proteções do crédito trabalhista.

Em regra, os créditos trabalhistas se situam em patamar de vantagem perante os créditos de outra natureza, em razão de sua natureza alimentar ou subsistencial. São créditos superprivilegiados.

O Artigo 449, caput, da CLT, determina que os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

A Lei nº 11.101/2005, em substituição à concordata, instituiu a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa.

A recuperação extrajudicial, assim como a antiga concordata, não afeta os direitos trabalhistas e acidentários dos empregados (artigos 83, 161, § 1º e 163, § 3º, da Lei nº 11.101/2005).

A recuperação judicial, ao contrário, pode afetar os direitos trabalhistas dos empregados, senão vejamos:

Artigo 50, caput e inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005, prevê que constituem meios de recuperação judicial, redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.

E o artigo 54, caput, da mesma lei dispõe que “O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial”.

E ainda o parágrafo único, do dispositivo acima, determina que o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

Faz-se necessária a interpretação destes dispositivos à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da submissão da propriedade à sua função social.

Já a falência provoca a abertura de um concurso universal de credores contra o patrimônio do empregador.

Na hierarquia de créditos, os créditos acidentários e trabalhistas sempre se situaram no topo da ordem hierárquica do quadro geral de credores. No entanto, o artigo 83, caput e inciso I, da Lei nº 11.101/2005, instituiu um teto de 150 salários mínimos por credor à prevalência hierárquica dos créditos derivados da legislação do trabalho.

Finalmente, dentro da idéia de tríplice suporte, a doutrina destaca a proteção do salário em face de credores do empregado.

Com supedâneo no princípio da dignidade da pessoa humana, em razão do caráter alimentar do salário, a ordem jurídica também assegura um conjunto de garantias e proteções em favor das verbas salariais com relação ao assédio dos credores do próprio obreiro.

Trata-se do princípio da impenhorabilidade, positivado no Artigo 649, caput e inciso IV, do CPC, que determinada que os salários (e remunerações) são absolutamente impenhoráveis.

Todavia, o § 2º, do mesmo artigo, excetua a regra, determinando que a impenhorabilidade não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. Isso porque a pensão alimentícia também possui caráter alimentar.

Outro mecanismo de proteção jurídica do salário do empregado com relação a seus credores é a inviabilidade da cessão do crédito salarial por parte do obreiro.

O salário deve ser pago diretamente ao empregado, nos termos do artigo 464 da CLT, ressalvada a possibilidade de depósito bancário (parágrafo único do mesmo artigo).

Este mecanismo de proteção salarial vem sendo flexibilizado, na atualidade, pela permissividade de descontos em folha de pagamento de empréstimos realizados pelo obreiro junto a instituições financeiras.

 

 

PROTEÇÃO DO SALÁRIO:

  • FUNDAMENTO JURÍDICO:

a)       caráter alimentar;

b)       princípio da dignidade da pessoa humana.

 

I. PROTEÇÃO DO SALÁRIO EM FACE DO EMPREGADOR:

  • caráter forfetário do salário (decorrente da alteridade).

a)      princípio da irredutibilidade salarial (artigo 7º, inciso VI, da CF/88):

  • corolário do princípio da inalterabilidade contratual lesiva ao empregado (artigo 468 da CLT).
  • Restrições:

1. não alcança o valor real do salário (restringe-se ao valor nominal);

2. não atinge as verbas salariais condicionadas (salário condição);

3. admite a possibilidade de redução salarial negociada (ACT/CCT).

  • reduções salariais diretas podem ensejar a rescisão indireta (art. 483, “d” e “g”, CLT).
  • princípio da indisponibilidade salarial: não pode ser objeto de renúncia ou de transação lesiva no desenrolar da relação empregatícia.

 

b)      critérios para o pagamento do salário:

  • quanto ao tempo:

1. limite máximo de um mês para o pagamento e cálculo, salvo comissões, percentagens e gratificações (art. 459, CLT);

2. até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido. (art. 459, parágrafo único, CLT);

3. efetuado em dia útil, dentro do horário do serviço ou imediatamente após o encerramento deste, salvo depósito em conta (art. 465, CLT)

  • Quanto ao lugar:

1. pagamento deve se realizar no local do trabalho ou efetuado através de depósito em conta corrente. Artigo 465 da CLT

  • Quanto ao meio:

1. A prestação em espécie do salário será paga em moeda corrente (art. 463, CLT);

2. possibilidade do pagamento em utilidades (salário-utilidade ou salário in natura), respeitado o limite mínimo de 30% do salário mínimo em espécie.

3. vedação do truck system  (art. 462, §§ 2º a 4º, CLT);

 

c)       princípio da integralidade salarial (corolário do princípio da intangibilidade salarial) (Art. 462, CLT):

  • vedação ao empregador de efetuar qualquer desconto nos salários do empregado;
  • Exceções:

1. quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo;

2. em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado;

3. Descontos autorizados em benefício do empregado e dependentes (Súm. 342, TST).

 

 

 

II.      PROTEÇÃO DO SALÁRIO EM FACE DE CREDORES DO EMPREGADOR:

  • São créditos superprivilegiados.
  • direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa (Art. 449, caput, CLT);

a)      Recuperação extrajudicial: não afeta os direitos trabalhistas e acidentários dos empregados (art. 83, 161, § 1º e 163, § 3º, da Lei nº 11.101/2005); 

b)      Recuperação judicial:

  • constituem meios de recuperação judicial, redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante ACT/CCT (art. 50, caput e VIII, Lei nº 11.101/2005)
  • O plano de recuperação judicial:

1. prazo não superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. (art. 54, caput, Lei nº 11.101/2005)

2. prazo não superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. (art. 54, parágrafo único, Lei nº 11.101/2005)

  • necessária a interpretação destes dispositivos à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da submissão da propriedade à sua função social.

c)       Falência:

  • provoca a abertura de um concurso universal de credores contra o patrimônio do empregador.
  • créditos acidentários e trabalhistas: no topo da ordem hierárquica do quadro geral de credores.

1. créditos derivados da legislação do trabalho: teto de 150 salários mínimos por credor à prevalência hierárquica (art. 83, caput e I, Lei nº 11.101/2005);

2. Créditos acidentários: não se submetem ao teto.

 

III.   PROTEÇÃO DO SALÁRIO EM FACE DE CREDORES DO EMPREGADO:

a)      princípio da impenhorabilidade:

  • salários (e remunerações) são absolutamente impenhoráveis (art. 649, caput e IV, CPC);
  • Exceção: penhora para pagamento de prestação alimentícia (caráter alimentar) (art. 649, § 2º, CPC);

b)      inviabilidade da cessão do crédito salarial por parte do obreiro: salário deve ser pago diretamente ao empregado (art. 464, CLT), ressalvada a possibilidade de depósito bancário (parágrafo único).

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